Paulão – Luís Fernando Veríssimo – Compreensão oral

Paulão, de Luís Fernando Veríssimo, é um texto cômico, mas ao mesmo texto nos dá motivo para refletir: será que o excesso de cuidado com a saúde é garantia de uma vida longa?

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Logo a seguir deixamos a transcrição pra que você tire dúvidas de vocabulário.

Mas antes, tente fazer os exercícios relacionados ao vocabulário. É só clicar FONETICANDO

Paulão – Luís Fernando Veríssimo

Todos tinham entre 40 e 50 anos, aquela faixa de idade em que o homem, subitamente, descobre a própria mortalidade.

Para entrar na academia do Paulão, todos tinham passado pelo mesmo ritual. O Paulão dava um soco no ombro do novato e gritava, com seu jeito expansivo de ex-remador do Flamengo

―Eu te conheço!

O novato massageava o ombro, meio sem graça, e dizia:

―Não estou me lembrando…

―Nunca nos vimos antes, mas eu sei tudo sobre você e sua barriga. Você passa o dia inteiro sentado. Só anda de carro. Em casa fica atirado na frente da televisão, comendo porcaria. Bebe demais. Fuma. Agora que passou dos 40, decidiu tomar jeito. Por isso veio ao Paulão.

Estou certo ou estou errado?

―Está certo.

Paulão dá uma gargalhada e outro soco no ombro do novo inscrito, que naquela noite não conseguiria mover os braços. Mas dormiria feliz, porque o sofrimento já começara. E se estava doendo era porque estava fazendo bem.

Paulão não dava folga às suas turmas de ginástica.

―Vamos lá, seus moles! Estão pensando que isto aqui é o quê, aula de expressão corporal? Mexam esses traseiros de baiana!

O próprio Paulão, com mais de 50 anos, não tinha gordura e conservava seu corpo de  atleta.  Com a camiseta esticada sobre o tórax estufado, caminhava entre as suas vítimas sem parar de falar:

―Cada centímetro a mais na cintura é um ano a menos de vida. E dando um soco na própria barriga:

―Olhem aqui. Uma tábua. O grupo olhava para Paulão com um misto de ódio e adoração. Ele os estava redimindo pelo martírio. Purgava, gota a gota, cada gole de chope indevido, cada garfada de fritura, cada excesso cometido no passado. Paulão os estava salvando da morte.

As ginásticas eram feitas no ritmo de uma ladainha macabra.

―Cigarro! gritava Paulão.

E o grupo tinha que gritar:

― Mata!

―Gordura!

― Mata!

Indolência!

― Mata!

―Bebida!

―Mata!

Um dia Paulão não apareceu na academia que ficou fechada.

No bar ao lado ninguém sabia do Paulão ou da recepcionista, a dona Neiva. O que teria acontecido? Ninguém sabia. Pela cabeça de todos passou a mesma coisa:

Mulher!

―Mata!

Mas em seguida chegou a dona Neiva com os olhos injetados e a informação. O Paulão tinha morrido naquela madrugada. Coração.  Ficou todo mundo paralisado em volta da notícia, estátuas de boca aberta. O Paulão?!

Aos poucos o grupo foi se dispersando. Um grupo de quatro ou cinco ficou por ali, em estado de choque, e quase sem sentir foi derivando para o bar.

Alinharam-se contra o balcão. Um pediu uma cerveja. Dali a pouco um pediu um bolinho de bacalhau. Outro pediu batatinhas. E alguém, tomado de uma súbita fúria contra o inevitável, bateu no balcão e pediu: “bacon”!

O assunto, claro, era o Paulão, e o refrão era: “Quem diria!”. E teve um momento em que todos ficaram em silêncio, mastigando e olhando para nada, pensando: “Que merda!”.

Vocabulário

soco – golpe com o punho

jeito – possui várias acepções no Brasil. Neste caso significa maneira de ser, de se comportar.

meio sem graça
“meio” significa um pouco, levemente.
sem graça – envergonhado
Sempre fica meio sem graça na frente da Sandra.
A comida está meio salgada. está um pouco salgada

tomar jeito – redimir-se, adotar uma atitude mais positiva.
Esse menino tem que tomar jeito! Já foi expulso duas vezes da escola.

gargalhada – riso muito forte, exagerado.

folga – descanso.
-Paulão é muito exigente. Não dá folga aos seus alunos.
-Meu dia de folga é aos sábados.

Moles – preguiçosos, lentos, apáticos.
-Os alunos eram muito moles. Não queriam fazer os exercícios.
Também significa tolerante, indulgente.
-A sala de aula está sempre bagunçada porque a professora é muito mole. Não exige respeito.

Seus moles
O seu(s) sua(s) antes de um adjetivo intensifica o seu significado. Geralmente é usado com conotação negativa.
Seu descuidado! Como saiu sem trancar a porta?
Sua burra! Como pôde errar a resposta?

Estufado – inflado
O peito do Paulão é estufado de tanto exercício.
-Comi tanta feijoada que minha barriga ficou estufada!

tábua (para homens)- com músculos abdominais firmes
tábua (para mulheres) – com pouco seio
A Vera nem usava sutiã. Era uma tábua.

gole – trago
Só tomei dois goles de cerveja e fiquei tonta.

ladainha – palavras ou frases repetitivas. Muito usada em cerimônias religiosas.
Amém.
– O Senhor esteja convosco.
– Ele está no meio de nós…

Indolência – preguiça

Bolinho de bacalhau – almôndega preparada com bacalhau. Geralmente frita.

bacon – toucinho/toicinho defumado. Apesar de que bacon é uma palavra estrangeira, é muito usada no Brasil.

Com relação a essa frase: Mas dormiria feliz, porque o sofrimento já começara.

Começara é um verbo que está no pretérito mais-que-perfeito do indicativo. É o mesmo que tinha começado, que é o pretérito mais-que-perfeito composto. Este tempo verbal só é visto em textos literários e nunca em diálogos coloquiais.

A maioria dos autores o utiliza, mesmo que o texto tenha um caráter informal, como é o caso do texto “Paulão”.

Os hispanofalantes podem confundir com o imperfeito do subjuntivo.

Cuidado! Em espanhol podemos dizer Cantara ou Cantase – ambos pertencem ao mesmo tempo verbal.

Em português Cantasse é o imperfeito do Subjuntivo

CantaraMais-que-perfeito do indicativo = tinha cantado.

Temos também um vídeo com esse material. Não deixe de assistir You Tube

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