O que é a liberdade pra você? Já pensou nisso?
O texto LIVRE, de Luís Fernando Veríssimo, além de engraçado, faz a gente pensar. O que precisaríamos para sentir-nos realmente livres. E isso é possível?
Fizemos algumas modificações no texto para atualizar alguns dados que foram alterados com os anos.
O texto completo aqui
Decidi renunciar à civilização e seus descontentamentos… Deixo minhas posses para a financeira, minha conta bancária para o imposto de renda, meu seguro de vida e meu exemplo para minha família e minhas dívidas para a posteridade. Rasgarei em ato público, minha carteira profissional, meu passaporte, meu atestado de vacinação, licença de motorista, meu título de eleitor, meu certificado de reservista e (meu Cartão do Touring) o seguro do carro . Peço que minha carteira do (INPS) INSS e o meu (cartão do CIC) CPF sejam queimados e as cinzas espalhadas pelo vento. Que meu nome seja sumariamente riscado de todos os cadastros. Depois de dois milhões de anos, volto para o jângal, de onde nunca devia ter saído.
Outro texto de Veríssimo: LIXO
Empenhe-se meu relógio e leiloe-se minha coleção da “Playboy”. Há um resto de Ballantine, na cozinha, que deve ser dividido entre os amigos depois que eu me for… Meus Vinhos para o povo!!! Do guarda-roupa, levo apenas o suficiente para chegar, com um mínimo de recato, até Manaus… Depois…a nudez e a selva… Queimem-se minhas três gravatas.
Meus livros? Queimem-se todos… Não… Vou precisar de alguma coisa para ler no avião. Deixo um policial qualquer, não quero nem saber o título… não, essa não… Levo todos os meus livros. Isso!
Vou desaprender a ler assim que me instalar na minha clareira na Amazônia. Começarei com a “Crítica da Razão Pura”, e irei desaprendendo, desaprendendo até a cartilha.
Só serei LIVRE quando Eva…a Uva…e Vovó não significarem mais nada além de riscos pretos numa página branca, e aí queimarei a página. Com quê? É bom levar fósforo, não sei se vou conseguir fazer fogo por fricção. Aliás, tem um livro aí que ensina a sobreviver na selva. Esse é melhor guardar.
Vão pedir meus documentos para embarcar no avião… E se eu dissesse, simplesmente “Sou um Ser Humano, sem nome e sem número e meu único documento é essa cara honesta”?… me prendiam… claro. Levo a carteira de identidade. A última concessão. Depois, a Liberdade!
Já sei!!! Vou de carro…sem parar… desbravarei matas e pradarias com o meu terrível Passat. O meu adeus à engenharia alemã… Irei largando peças e acessórios pelo caminho… me despindo simbolicamente, de camadas de CIVILIZAÇÃO.
Chegarei à selva montado num esqueleto de máquina, que enferrujará lentamente na umidade enquanto eu reaprendo a andar sobre os dois pés nus. O homem, que sobreviveu ao dinossauro, certamente sobreviverá ao Volkswagen…
Agora me dei conta de que vai ter espinhos no chão e coisa pior… melhor levar um estoque de sandálias para os primeiros anos… e, quem sabe, um bom impermeável… Outra coisa… vou precisar de dinheiro para a comida, gasolina e pneus no caminho, e minha licença de motorista… e por via das dúvidas (a carteira do Touring) o seguro do carro.
Então vamos ver: livros, fósforo, licença, (Touring) seguro do carro, sandálias, dinheiro…e só!!! Nada mais. Queime-se o resto… Vivi milhares de anos sem máquinas e roupas feitas e posso fazer o mesmo outra vez… me bastam os dentes, o dedão opositor e a imaginação… Vou precisar de relógio, claro. E uma bússola para me orientar na selva, até aprender a ler a direção nas estrelas e cheirar o vento… depois, de cultura, me bastará o olfato.
Uma machadinha, um facão, uma lanterna e um estoque de pilhas até que eu aprenda a enxergar no escuro… Pregos e martelo para construir um abrigo. Um canivete suíço. E nada mais. Livre. Só comerei o que caçar e pescar com as próprias mãos. Beberei a água pura das vertentes.
Cozinharei a carne e o peixe em espeto de pau-brasil. Vou precisar de sal. Umas latinhas de ervilha, um patezinho …e, muito importante, um abridor de lata. Puxa…e cerveja. E nada mais.
Um Homem com sua fibra e o seu poder criador. Só voltarei à civilização se precisar de dentista. Outra coisa: rede de mosquito. E Band-aid.
Contarei os dias pela passagem do Sol e os meses pelas fases da Lua. Aparelho de barbear, lâminas, loção… Me banharei na chuva…sabonete…tesourinha para unhas. Aspirina. E pomada contra assadura.
Meu Deus, será que tem muita cobra???
LIVRE!!! Com uma televisãozinha portátil para não perder o futebol.
No texto aparecem vários vocábulos sublinhados. Exercícios relacionados para fixá-los estão aqui 👉 VOCABULÁRIO DA CRÔNICA LIVRE
Vocabulário modificado da crônica Livre de Luís Fernando Veríssimo
Touring Club do Brasil– foi pioneiro com uma grande eficiência em serviços automotivos. Os sócios possuíam muitos benefícios: guincho, serviços mecânicos, borracheiro, chaveiro etc.
Hoje em dia, a instituição foi substituída pelos serviços oferecidos por seguradoras e bancos.
CIC (Cartão de Identificação do Contribuinte) foi substituído (1968) pelo CPF (cadastro de pessoa física).
É um registro (cadastro) para que a Receita Federal do Brasil (administradora de bens e tributos) possa coletar as informações das Pessoas Físicas. Todos são obrigados a apresentar a declaração de rendimentos e bens. Este número (CPF) é indispensável para realizar qualquer transação: comprar, vender, alugar, abrir uma conta bancária, votar etc.
INSS (Instituo Nacional do Seguro Social) – substituído por INPS (Instituto Nacional de Previdência Social) – órgão responsável pelas aposentadorias e pensões.
Um pouco de gramática:
devia e prendiam estão no pretérito imperfeito do indicativo. Substituíram deveria e prenderiam, futuro do pretérito. Isso acontece na linguagem coloquial e informal. Em uma carta formal isso é inadequado.
Pedimos desculpas ao nosso querido Luís Fernando Veríssimo pelas modificações que fizemos no texto. Achamos que não alteram a mensagem do mesmo. A intenção é a de atualizar as informações para que o leitor aproveite ainda mais o conteúdo.
Dúvidas ou sugestões?
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