Mais um texto de Luís Fernando Veríssimo. Pra você, a velhice é sinônimo de sabedoria ou os idosos estão sempre vivendo o passado?
No texto A Rocha, vemos como a sociedade evolui e como os idosos enfrentam as mudanças. Sempre com o humor característico de Luís Fernando Veríssimo.
Abaixo do texto há explicações sobre o vocabulário, exercícios e um pouco de gramática.
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Com o tempo, dona Mimosa adquirira uma sólida autoridade moral sobre a família. Diziam:
―A dona Mimosa tem os pés no chão. Também tinha a cabeça no lugar, bom nariz para certas coisas, e enxergava longe. A velhice só aumentava o seu prestígio. Agora, além do senso prático e da sabedoria herdada, tinha a experiência.
Enterrara um marido, criara 11 filhos, ajudara a criar 20 netos e, se não tivera nada a ver com o começo da República, pelo menos estivera presente. Aos 100 anos, estava lúcida e atenta. Várias gerações da família tinham-se orientado pelo seu nariz. E dona Mimosa não falhava.
―Vovó, o nenê está com soluço.
―Bota um algodão molhado na testa.
―Tia Mimosa, o Olegário não sabe onde aplicar o dinheiro.
―Terra.
―Mamãe, estou pensando em mudar o forro do sofá…
―Cinza.
As gerações se sucediam, mas os problemas eram parecidos.
―O Maneco não quer estudar.
―Traz ele aqui.
O Maneco ouvia uma preleção de dona Mimosa. Ouvia casos da família, de vagabundos que acabaram na ruína, de doutores feitos na vida. O importante era ter uma posição. Quem podia estudar e não estudava era pior que um vagabundo. Era um perdulário.
―O que é um perdulário, bisa?
―Estuda para aprender!
Brigas por dinheiro ou propriedade. Caso de desconfiança ou ciúmes entre cunhadas. Dúvidas sobre a saúde: opera ou não opera. Tudo acabava sendo decidido por dona Mimosa. Vez por outra ela tomava uma ação preventiva. Chamava o filho mais velho e dizia:
―Meu nariz me diz que o Toninho está em dificuldades. Investiga. Ou:
―Tenho notado que a filha da Juraci sua muito, acho que deve casar. E estava sempre certa.
Nos momentos de grande crise, dona Mimosa era a rocha da salvação. Como na vez em que descobriram que o Biluca tinha outra família, dona Mimosa não aceitou discutir o assunto reservadamente. Convocou uma reunião de família, vedada só aos menores de dezoito, e expôs o Biluca à reprovação geral sem dizer uma palavra. Depois acertou com o Biluca, reservadamente, o que deveria ser dado como compensação à segunda família, que ele abandonaria rapidamente.
A primeira vez na vida em que dona Mimosa não soube o que dizer foi quando lhe contaram que o Sidnei, com 40 anos, estava fazendo jazz.
―Eu sabia que ele tocava um instrumento.
―Não toca nada. Está numa aula de dança.
Pela primeira vez, em 100 anos, dona Mimosa ficou com a boca aberta. Depois foi o tataraneto Duda – filho do Maneco, o vagabundo que acabara se formando em Direito- que surpreendeu a velha com um pedido de dinheiro, já que o pai aplicara tudo no BOVESPA e estava desprevenido. O Duda queria descolar uma nota pra levar umas gatas a Porto Seguro no maior barato, falou?
Dona Mimosa ainda tentou ser categórica. Era difícil viajar com gatos. Devia usar um balaio. Ou caixas de papelão. Mas era óbvio que ela estava tateando.
A família continuava procurando dona Mimosa pelos seus conselhos.
Mas já não os aceitava como antes.
―Vovó, acho que vou botar dinheiro numa butique só de coisas importadas para o banheiro. Já tenho até o nome, “Xixique”
―Não, não. Compra terra.
―Ora vovó, terra…
Há dias levaram mais um problema para dona Mimosa.
―A Berenice vai sair de casa.
―Não deixa.
―Não adianta. Ela vai se juntar.
―O quê?
―Com a Valdirene.
―Ah, bom. Vai morar com uma amiga.
―Não, nada disso. Vão formar um casal.
Silêncio.
―O que é que a senhora acha?
Dona Mimosa sentiu que o mundo lhe escapava. Seu nariz não lhe dizia mais nada. Era preciso, no entanto, resguardar a autoridade. Com um esforço, recompôs-se e perguntou:
―E essa Valdirene, tem uma posição?
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Vamos ao vocabulário de “A ROCHA?
tem os pés no chão ⇒ é realista
bom nariz ⇒ é perspicaz
feitos na vida ⇒ com boa posição econômica
posição ⇒ boa situação financeira
sua ⇒ transpira
a rocha da salvação ⇒ é o apoio sólido
ficou com a boca aberta ⇒ ficou perplexa
desprevenido ⇒ sem dinheiro
descolar uma nota ⇒ conseguir dinheiro
no maior barato ⇒ na maior farra
falou? ⇒ entendeu?
tateando ⇒ sondando
vou botar dinheiro ⇒ vou investir
xixique ⇒ analogia, jogo de palavras – xixi + chique
Não adianta ⇒ é inútil
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Você se anima a fazer exercícios relacionados a este vocabulário? Vamos lá
E um pouco de gramática
Olhe os verbos que estão grifados:
adquirira enterrara criara ajudara |
tivera estivera acabara aplicara |
O tempo verbal é o Pretérito mais-que-perfeito simples do modo indicativo.
Empregamos o pretérito mais-que-perfeito simples para assinalar um fato passado em relação a outro também no passado.
Quando Pedro chegou (9:00) o filme já começara. (começou às 8:45)
Este tempo verbal só é utilizado em discursos mais formais e é frequente em textos literários. Não é usado na linguagem coloquial ou em matérias de jornais e revistas.
Em seu lugar, em situações menos formais e coloquiais, utilizamos o Pretérito mais-que-perfeito composto.
Quando Pedro chegou (9:00) o filme já tinha/havia começado. (começou às 8:45)
Veja as explicações completas sobre este tempo verbal aqui 👉Celpe-Bras na Prática
E para praticar 👉 Exercícios com o mais-que-perfeito
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